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Esportivos de quatro lugares...

Enviado: 15 Mar 2011, 20:01
por brunollo
Esportivos de quatro lugares: um manifesto datado de 1956 (e ainda atual)
Ao explicar por que o Mustang 1964 se tornou um clássico, o guru de design da Automobile, Robert Cumberford compartilhou conosco essa carta, datada de 1956, do executivo de marketing Barney Clark para a General Motors, argumentando em favor de um Corvette com quatro lugares. As Erro! A referência de hyperlink não é válida., observações e conclusões são impressionantemente atuais. Confira:
Para qualquer um que conheça o mercado americano de carros esportivos (e suas limitações) e, certamente, para qualquer um que esteja familiarizado com o modo com que costumamos namorar nos carros, é no mínimo curioso o fato de nenhuma montadora ter optado por oferecer um esportivo com quatro lugares.
Existem bons motivos para isso, claro, mas a impressão que fica é que as companhias não enxergam, ou possuem uma visão distorcida sobre a verdadeira natureza do carro esportivo, do apelo do carro esportivo e do potencial Erro! A referência de hyperlink não é válida. desse carro.
Isso tudo pode ser comprovado pelo fracasso do Corvette (até 1956) e, mais recentemente, da tentativa frustrada do Thunderbird em atingir seu potencial no ano passado. Certamente, esses dois exemplos nos revelam abismos que devemos evitar e fazem mais do que simplesmente dar dicas sobre o caminho correto a ser seguido, como veremos mais adiante.
A maioria dos carros “dos sonhos” apresentados nos últimos anos foram carros com dois lugares. Por quê? Primeiro, porque é mais fácil criar um carro de aparência esportiva a partir dessa configuração (e a aparência é o mais importante em um carro dos sonhos). Segundo, “porque todos os verdadeiros esportivos tem dois lugares.”
Sim, todos os “verdadeiros esportivos” tem dois lugares – porque são europeus. Mas isso não leva em conta o fato de que as ideias dos europeus sobre esportivos (e mulheres e corridas e tamanhos de motor e espaço para a bagagem) são bem diferentes das ideias dos americanos.
O americano é consideravelmente mais juvenil em suas atitudes em relação a mulheres e relações sociais do que o europeu. Este último viaja com sua mulher, sua relação é adulta e auto-suficiente. O americano, ainda preso ao grupo de amigos da infância, prefere encontros duplos: ele está acompanhado não apenas de sua namorada, mas tambem de seu camarada e da namorada dele.
O argumento acima parece limitado demais, mas definitivamente não é. Falo por experiência própria, e apoiado em centenas de entrevistas pessoais: a diferença entre os costumes sociais americanos e europeus é normalmente um fator determinante para que um homem padrão, que normalmente ficaria plenamente satisfeito com um esportivo, desista da compra. Inúmeras vezes, homens solteiros com dinheiro e uma queda por esportivos declararam que não comprariam um carro que pudesse levar apenas dois passageiros. Além disso, colegas que se apaixonaram por, digamos, um MG, e o compraram sem parar para pensar nas inconveniências sociais, acabaram por perder o entusiasmo com o carro em seis meses.
Para levar meus argumentos a favor de um carro de quatro lugares a outro patamar: é improvável que um item de baixa produção como um esportivo seja produzido nos Estados Unidos sem custar muito mais do que os atuais preços do Corvette ou do Thunderbird. Isso, por sua vez, automaticamente limita o mercado potencial: o jovem solteiro, que acabou de sair da faculdade e poderia se interessar por um esportivo de dois lugares normalmente não está ganhando o suficiente para poder comprar um veículo desses. Então, vamos esperar maus uns anos até que ele tenha conseguido um emprego melhor. Oh, agora ele tem mais poder aquisitivo, mas também tem esposa e um ou dois filhos, e não pode mais ter o Corvette como carro da família.
Agora ele precisa ter dois carros antes de se qualificar para nosso esportivo de dois lugares – mas isso resolve o problema? Dificilmente. Ele pode ir de Corvette até o escritório, utilizando a fera como carro de engarrafamento. Mas isso acabaria por prejudicar a emoção de dirigi-lo no fim de semana. Viagens com as crianças exigem o sedã da família. Aquele jantar dançante, para qual será necessário pegar outro casal no caminho, automaticamente exclui o Corvette. As melhores festas geralmente envolvem encontros duplos. E o pobre esportivo fica empoeirando na garagem, irritando cada vez mais sua mulher.
Verdade seja dita: esportivos de quatro lugares deveriam ser algo natural, corriqueiro. O que não permitiu que isso acontecesse?
Primeiro, como já foi dito, existe a dificuldade em se projetar um carro dos sonhos com visual esportivo em um chassi com quatro lugares – quanto maior o capô em relação ao habitáculo melhor, e é mais fácil determinar a proporção ideal em um veículo de dois lugares.
Segundo, existe um conceito errôneo entre os fabricantes: os primeiros esportivos europeus a invadir o consciente coletivo americano foram os de dois lugares, portanto todos os esportivos tem dois lugares.
Terceiro, o instinto de competição: um veículo de dois lugares possui automaticamente a relação peso-potência ideal, sem desperdícios, portanto suas chances de se dar bem na pista são melhores – mesmo que o carro nunca coloque os pneus em um autódromo.
Ainda dentro do terceiro fator, deve-se entender que o sucesso nas corridas profissionais é um elemento importante no campo dos esportivos de rua. Vamos nos lembrar de que o Corvette não conseguiu a aprovação que tem hoje antes de provar seu valor nas pistas – em Sebring, Pebble Beach, Bakesfield, Elkhart Lake e Palm Springs. Virtualmente, todo esportivo que obteve sucesso nas vendas também foi um sucesso em competições; Jaguar, Austin-Healey, MG, Mercedes-Benz, Triumph, Porsche, e muitas outras.
Antes de pensar que esse argumento é inválido, permita-me dizer que existem dois caminhos para o sucesso nas corridas.
1. Em categorias modificadas, onde os carros praticamente tornam-se puras máquinas de corrida. 2. Em categorais de produção, onde os carros participantes são versões ligeiramente modificadas de veículos de rua.
No primeiro caso, os créditos pelo sucesso do carro de corrida são reflexo das habilidades dos engenheiros da companhia, encorajando o público a comprar veículos da mesma marca, mesmo com especificações bem distantes. No segundo caso, o appeal é infinitamente mais direto, pois carros idênticos aos utilizados em competições estão à venda e pessoas comuns são incentivadas a compra-los e utilizá-los em corridas, somando confiança à marca. Em competições nas categorias de produção, um veículo de quatro lugares com as especificações apropriadas pode conquistar seu espaço por ceus próprios méritos, mesmo concorrendo com veículos de dois lugares, embora sempre operando sob uma ligeira desvantagem, em teoria, em relação a peso e distância entre-eixos.
Ao cogitar um possível Corvette com quatro lugares, quais são os elementos a considerar? Por que deveríamos construir tal carro, afinal? Quantos deles venderíamos?
Por que construir um esportivo? Porque um esportivo oferece o tipo de emoção que um carro de passageiros comum nunca poderá prover – uma atmosfera de desafio, ação, combate, aventura e cor. Indo além: há o Thunderbird, cuja mera existência quase obriga o Corvette a continuar sendo produzido, se queremos evitar a vergonha de nos declararmos derrotados. Um esportivo pode contribuir com brilho e prestígio para toda a linha [GM] e, ao mesmo tempo, atrair uma publicidade valiosa, enquanto cria um conceito pró-GM no consciente coletivo.
Quantos deles venderíamos? Nunca o bastante para os padrões americanos. Nunca o bastante para considerá-lo lucrativo. E, felizmente, nunca o bastante para torná-lo entediante devido a incansáveis repetições. Nunca venderá tanto a ponto de precisarmos fazer mudanças anuais em seu estilo e repassar tais mudanças no preço. Por volta de 10 mil seria o suficiente, embora 20 mil não seja demais.
Vamos dar uma olhada no tipo de carro de quatro lugares que, em minha opinião, melhor atenderia nossa proposta.
Primeiro, precisa ser um esportivo GENUÍNO, não uma imitação ou algo do tipo “carro dos sonhos”. Com isso, quero dizer que precisa ser um carro feito para o motorista, com aderência impecável, extremamente rápido, com controles precisos, direção ágil, freios superlativos, compacto, e que transmita uma sensação de extrema solidez.
Segundo: é necessário que seja um carro muito resistente e durável, pois estamos procurando por aquela lealdade por parte dos donos que irá aprimorar a reputação do carro em alguns anos, ajudando a construir toda uma rede de propaganda boca-a-boca, que é nosso objetivo para daqui a cinco anos. A boa impressão inicial não pode ser ofuscada posteriormente por constantes visitas à oficina.
Terceiro, o carro precisa ser masculino. Mulheres não compram esportivos, muito menos esportivos genuínos. Tudo no carro deve sugerir resistência, potência, precisão e função. Ele deve dizer “máquina” em cada linha, mostrador, alavanca e cor. Eu, pessoalmente, adoraria algo que capturasse o feeling (se não as linhas) da traseira do La Salle roadster de 1954 (foto acima).
Quarto, aposentos para os passageiros: os bancos dianteiros precisam ser muito confortáveis. Não macios como pelúcia, cheios de estofamento e massageadores para as costas, mas tão confortáveis como um banco concha bem projetado pode ser – que acomode o motorista com segurança, no ângulo certo e boa altura em relação ao assoalho, para torná-lo parte do automóvel.
Os dois lugares atrás não precisam ser tão confortáveis assim, basta que possam acomodar dois passageiros decentemente por distâncias de 160 km ou menos e que o espaço para as pernas e cabeça possa ser ajustado para melhor aproveitamento. O espaço para a bagagem não precisaria ser maior do que o necessário para levar duas malas médias, colocadas verticalmente no porta-malas. No entanto, porta-luvas e porta-mapas devem ser distribuídos de forma inteligente, e os bancos traseiros devem ser rebatíveis para proporcionar maior espaço para carga quando apenas duas pessoas estiverem no carro.
Quinto, desempenho. Esse talvez seja o menor de nossos problemas. Um pouco mais de pimenta em relação ao motor original já é o bastante. Aliadas ao peso relativamente baixo, poucas modificações já farão com que o carro deixe na poeira sedãs de produção facilmente. Importante mesmo é a disponibilidade de um câmbio manual de quatro velocidades bem projetado, com sincronizadores, além de vários pontos de absorção de impacto e opções de regulagem das molas e da barra estabilizadora, facilitando os ajustes a fazer no carro quando chega a hora de acelerar.

Sexto, estilo. Um veículo de quatro lugares desse tipo não poderia competir com os de dois lugares valendo-se do desenho longo, streamliner e baixo utilizado atualmente. Eles são necessariamente altos, com uma linha de teto muito longa. Então por que não ir contra a corrente e retornar à linguagem de antigamente, dos Bentleys e TC-MGs da década de 1930? Vamos voltar à traseira reta, ao compartimento de bagagem alto, à janela traseira quase vertical, alças de couro e todo aquele ar de “máquina da estrada.” Existe um poderoso apelo sentimental para nos estimular, bem como uma visível atração que todo homem sente por tudo que é mecânico. Além disso, acredito que encontraremos uma vantagem inesperada em seguir um estilo que vai contra tudo o que temos hoje: não estaríamos copiando ninguém, e o carro sempre pareceria individual e atual, causando impacto nas ruas mesmo após cinco anos. Você poderia, de certa forma, “desenhar e esquecer” – não seriam necessárias revisões anuais no estilo, ou maiores modificações. Uma palavra: atemporal.
Estaríamos, em essência, criando um “clássico”. E tal carro permaneceria vivo nas mentes dos motoristas por muito mais tempo do que qualquer “carro do amanhã” que possa ser produzido hoje.