50 anos do primeiro voo espacial tripulado!
Enviado: 12 Abr 2011, 21:12
Como Yuri Gagarin foi escolhido para ser o primeiro homem no espaço?
Há exatamente 50 anos o cosmonauta Yuri Gagarin tornou-se o primeiro homem a cruzar o limite da atmosfera rumo ao espaço. Mas como um garoto do campo derrotou seus concorrentes mais preparados e fisicamente mais capazes a caminho da fama eterna?
De acordo com um trecho da biografia escrita pelo professor Andrew Jenks, foi uma mistura de humor, charme, astúcia, boa aparência e um sobrenome com sonoridade russa que o colocou no topo da lista. Embora não estivessem entre os requisitos básicos para um voo espacial, foram estas características que serviram tão bem para transformá-lo instantaneamente em uma celebridade internacional.
___________
Alguns colegas em coquetéis ou no saguão de hotéis frequentemente me perguntavam após minhas palestras por que Yuri Gagarin foi o escolhido para ser o primeiro cosmonauta em 12 de abril de 1961. Este post, tirado de um rascunho do meu livro sobre Gagarin, descreve as circunstâncias que levaram à escolha de Gagarin como o primeiro viajante espacial do mundo.
Guerreiros em viajantes espaciais
A decisão de enviar um homem ao espaço exigia uma série de questões, incluindo o tipo de pessoa adequada ao trabalho. Sergei Korolev, o pioneiro dos foguetes soviéticos conhecido como “Construtor Chefe” até sua morte em 1966, havia afirmado que o primeiro cosmonauta deveria ser um engenheiro – talvez ele próprio – embora logo tenha desistido da ideia.
O debate foi rapidamente decidido em favor de um piloto de caça, ainda que a cápsula espaçial fosse totalmente automatizada e precisasse de pouca “pilotagem”.
A decisão tinha mais a ver com política e conceitos sobre heroísmo que qualquer outro fator. Supunha-se que os pilotos de caça teriam a coragem para enfrentar a potencialmente assustadora experiência da ausência de gravidade e seguiriam as ordens, não importando o quão perigosa fosse a missão.
Além disso, se algo glorioso fosse feito no ar – e o cosmonauta sobrevivesse – então pareceu óbvio que deveria ser um piloto de caça, o mais heróico dos heróis do panteão soviético após a Segunda Guerra Mundial.
No verão de 1959 os peritos da aviação e médicos começaram a procurar os candidatos nos comandos militares, incluindo o posto de Gagarin, próximo à fronteira com a Noruega, onde ele estava servindo desde que terminara a academia de oficiais em Orenburg. Na lista de possíveis candidatos de sua base, o nome de Gagarin estava no topo.
De acordo com um participante, “o programa de seleção considerou a saúde geral, preparo físico, aptidão profissional, características morais e éticas, particularidades fisiológicas e adequação aos parâmetros físicos: altura entre 1,72 e 1,74 metros e peso entre 70 e 75 kg”.
Curiosamente, Gagarin não atendia aos requisitos físicos: ele tinha apenas 1,57 m de altura. Não se sabe como ele conseguiu convencer os encarregados a ignorar este detalhe. Mais uma vez Gagarin conseguiu criar suas próprias regras.
Depois de uma bateria de testes físicos e fisiológicos, 347 pilotos foram aprovados entre 3461 candidatos. Os exames médicos seguintes – que desclassificaram vários por alcoolismo – reduziram o número para 206 candidatos e depois para 20. Os 20 últimos “candidatos a cosmonauta”, como eram conhecidos, começaram a treinar em um novo centro de treinamento em janeiro de 1960.
Os candidatos estavam prontos e ansiosos para treinar, contudo, não se sabia para o que iriam treinar. A pessoa encarregada de desenvolver a rotina diária admitiu anos depois que não fazia ideia do que estava fazendo. “Não havia um programa, não havia simuladores, nada”. O que eles tinham era uma caserna de dois andares feita de madeira com uma cozinha e um refeitório e 20 pilotos de caças ansiosos por uma tarefa heróica – e também para uma festa, caso houvesse a oportunidade.
Disciplina e vigilância, logo, pareciam ser um bom ponto de partida. Em fevereiro de 1960 o general Nikolai Petrovich Kamanin foi indicado como chefe geral da seleção e treinamento dos cosmonautas; e em novembro de 1960 ele tornou-se o chefe da exploração espacial das forças armadas. Kamanin não era um general qualquer, mas um general da KGB com um bom histórico tanto na aviação militar quanto no serviço de inteligência.
Graça e Humor Sob Pressão
Em primeiro lugar na cabeça dos treinandos estava uma qualidade melhor formulada por Ernest Hemingway: “graça sob pressão”. Hemingway parece uma estranha inspiração para os soviéticos, mas o escritor americano, cuja obra foi considerada suficientemente soviética e por isso traduzida para o russo durante a reforma cultural de Khruschev, era bastante popular, especialmente no centro de treinamento dos cosmonautas. Foi durante o treinamento cosmonauta, por exemplo, que Gagarin adquiriu o hábito de ler sobre Hemingway, cujas personagens “machos” complementaram as concepções de masculinidade ruassa que Gagarin recebeu de várias fontes soviéticas.
Um historiador, comentando sobre o culto a Hemingway na União Soviética e as razões de seu apelo, comentou: “ele viveu como quis: caçou, pescou, desbravou o mar, matou touros, apreciou bons pratos e bons vinhos, amou várias mulheres e foi amado por elas. Hemingway era um romântico, mas não deslumbrado; experiente, mas não cínico; viril, mas não cru”.
Aleksei Leonov, um dos vinte finalistas, lembra de quando conheceu Gagarin, no outono de 1959, quando os dois candidatos aguardavam a próxima bateria de exames. Gagarin estava aguardando em um sofá lendo “O Velho e o Mar” enquanto preparava-se para ser tocado e estimulado pelos caras de jaleco branco. Era a síntese da graça sob pressão. Leonov disse: “pensei comigo então: ‘que cara interessante. Preciso conversar com ele’”.
Os intangíveis
Durante o treinamento, Gagarin havia mostrado que era mais flexível e adaptável ao comando . Ele sabia como se adaptar. Tinha a capacidade camaleônica de se adaptar mental e fisicamente a cada tipo de situação – e mantinha linhas de comunicação com estruturas paralelas. Ele era rápido na absorção, capaz de improvisar respostas adequadas e atender às expectativas das pessoas.
Ele não demonstrava medo – como os toureiros de Hemingway – e era sempre otimista – como seu herói do romance realista de Boris Polevou, “Um Homem de Verdade”. E talvez o mais importante: Gagarin tinha um senso de humor bem desenvolvido.
Tal como os seus treinandos, Korolev adorava boas piadas e respostas espirituosas, como fazia Kamanin, que anotou em seu diário “Yuri Gagarin é indiferente a xadrez e cartas, mas é apaixonado por esportes e aprecia uma piada espirituosa ou uma brincadeira”. Além disso, ele podia parecer encantador sem parecer manipulador ou bajulado – embora tenha o sido em algumas ocasiões.
O engenheiro e cosmonauta Konstantin Feoktistov lembre de dar uma palestra aos cosmonautas sobre a engenharia da cápsula espacial. Ele sugeriu que em um mundo ideal os cosmonautas teriam graduação em engenharia, assim eles dominariam a tecnologia de sua embarcação e seriam mais que meros passageiros.
Depois da palestra, Gagarin o procurou e perguntou onde seria o melhor lugar para conseguir a graduação. Mais tarde ele compreendeu a natureza calculista da pergunta de Gagarin. Percebeu que havia sido conquistado pela intencional sinceridade ingênua de Gagarin. Na época, porém, ficou profundamente impressionado por este ambicioso rapaz.
Após analisar os resultados do treinamento, o general Kamanin da KGB reduziu a lista de 20 candidados a somente seis em janeiro de 1961. Gagarin, Titov, Neliubov, Nikolaev, Bykovskii e Popovich – todos etnicamente russos, exceto Popovich, um ucraniano.
Cada um dos seis finalistas deu a si mesmo um codinome na etapa final do treinamento – a contagem regressiva para o cosmos seria dali a três meses.
Gagarin adotou o codinome “Cedro”. Titov, “Águia”. Nikolaev, “Gavião”. Popovich tornou-se o “Águia Dourada”. Mesmo aqui Gagarin conseguiu se destacar: ele foi o único cosmonauta entre os finalistas cujo codinome não era umaave de rapina, mas uma poderosa árvore das florestas da Sibéria (e assim não foi chutado para fora do ninho).
Enquanto isso, Kamanin observava os “intangíveis” à medida em que a seleção se aproximava do fim. Ele afirmou em 18 de janeiro de 1961 que o candidato a cosmonauta Popovich era “muito leniente com sua esposa durante uma argumentação”. Ser boca-mole era aparentemente uma desclaassificação. Em 20 de março de 1961 ele anotou em seu diário que Titov decidiu ficar em casa e ler poesias em vez de ir com seus colegas ao cinema – o que pareceu falta de espírito de equipe, além de uma característica excessivamente contemplativa.
Em 6 de abril de 1961, passou o dia observando Gagarin – o tipo de coisa que fez Gagarin sentir-se confortável, ao contrário da maioria das pessoas. “… em sua conduta eu não notei uma única coisa que não fosse apropriada para a circunstância. Calmo, confiante e com sólido conhecimento – é como eu resumiria Gagarin naquele dia”.
Se os traços de caráter de Gagarin fizeram dele o primeiro cosmonauta ideal, eles também descreveram o que era necessário para um jovem prosperar no sistema soviético durante a era Khrushchev. Como em qualquer seleção de emprego em que haja muitos candidatos qualificados, o candidato que parecer menos ofensivo, ainda que não tenha muito talento, terá uma grande vantagem. E essa pessoa foi Gagarin.
Um cosmonauta conhecido comentou: “não conheço uma única pessoa que seja tão querida por tantas pessoas diferentes”. Um dos treinandos notou que Gagarin não fez perguntas estúpidas. “Há perguntas ‘estúpidas’, quando uma pessoa não compreende e pede para você repetir, e há perguntas inteligentes, quando uma pessoa está tentando se aprofundar no que foi dito. Suas perguntas estavam sempre na categoria das perguntas inteligentes”.
O primeiro orientador do treinamento dos cosmonautas, que se reportou a Kamanin, resumiu os motivos para a escolha de Gagarin, citando acima de tudo seu “patriotismo deisnteressado”, e sua absoluta crença no sucesso da missão. Além disso, Gagarin teve aprovação dos médicos e psicólogos, enquanto outros elogiaram seu otimismo ilimitado, curiosidade, astúcia, coragem e determinação, clareza e paciência, simplicidade e humildade… e um amplo calor humano e atenção aos outros.” No fim, a decisão foi tomada mais pela possibilidade de “representar a pátria honradamente” que por sua habilidade como piloto – que mal seria necessária na cápsula automatizada.
A escolha de Gagarin, contudo, não foi fácil para Korolev e Kamanin. Como Kamanin revelou em seu diário póstumo, ele sofreu para decidir entre Gagarin e Titov – os dois candidatos finais. Ele anotou que em alguns aspectos Titov tinha uma personalidade mais forte, e teve uma educação melhor. Mas não estavam procurando candidatos para dar aulas.
Kamanin também tinha que considerar a possibilidade de que sua escolha se tornasse uma sentença de morte, já que quase todos acreditavam que o primeiro cosmonauta teria apenas 50% de chance de sobreviver. Chertok disse: “Se você considerar como referência os padrões atuais de confiabilidade no lançamento de veículos espaciais, verá que em abril de 1961 não havia base alguma para otimismo”. Será que talvez Kamanin tenha achado melhor salvar Titov para o segundo – e mais longo – voo, já que seria mais complicado?
Mas houve um aspecto mais importante para determinar qual candidato seria abençoado (ou amaldiçoado) com a glória eterna. Kamanin compreendia que o primeiro cosmonauta conquistaria instantânea “fama mundial e que seu nome seria preservado para sempre na história da humanidade”, enquanto poucos se lembrariam do nome do segundo cosmonauta. O primeiro cosmonauta, portanto, precisava demonstrar talento para ser um ícone nacional – algo com o que Kamanin era familiarizado, sendo o primeiro a receber o título de “Herói da União Soviética” em 1934.
Titov parecia a Kamanin um pouco ansioso demais para o papel, enquanto Gagarin parecia dominar a necessária postura humilde. Outro fator, a “russividade” de Gagarin, também teve seu papel. Aleksei Leonov, que se tornaria o primeiro homem a andar no espaço, teve uma premonição de que Gagarin seria o primeiro simplesmente por sua aparência, “um rosto russo honesto, o sorriso que nunca sai do rosto, os profundos olhos azuis, a bondade que parecia derramar do canto de seus olhos”.
Ao contrário de Titov, o nome de Gagarin era inegavelmente russo, enquanto o “germânico” Titov sugeria uma herança “alemã” (embora não fosse o caso). De acordo com uma lenda, quando Khrushchev soube que os candidatos finalistas eram Titov e Gagarin, o Secretário Geral teria dito: “Que tipo de russo tem esse nome alemão? De onde vocês tiraram esse cara?”
Korolev, por sua vez, também foi influenciado pelo carisma de Gagarin – admirando suas qualidades fotogênicas enquanto analisava as fotografias de Gagarin em várias situações. Considerando a repercusão do Sputnik e dos primeiros cães no espaço, ficou claro para ele que o primeiro cosmonauta se tornaria o maior símbolo soviético e russo. Finalmente até mesmo os cosmonautas concordaram que Gagarin seria o escolhido, como observou Kamanin enquanto os entrevistava anonimamente.
Então em 10 de abril, dois dias antes do voo, Kamanin e Korolev tomaram a decisão final. Kamanin contou a Titov depois de um jogo de badminton, uma partida de duplas em que ele e Gagarin enfrentaram Titov e Neliubov. Gagarin e Kamanin derrotaram Titov e Neliubov por 16 a 5. Depois da humilação da derrota na quadra, Kamanin informou Titov que ele também havia sido derrotado por Gagarin na corrida para ser o primeiro no espaço. Enquanto Gagarin sorria, Titov “ficou um pouco decepcionado”.
Se a fama instantânea de Gagarin e o status de ídolo confirmaram a precisão de sua escolha, até mesmo antes do voo todos pareciam concordar com a sábia decisão. Durante uma reunião entre engenheiros, administradores e os seis cosmonautas finalistas em 10 de abril, Chertok lembrou sua impressão sobre Gagarin, o escolhido. Eles se reuniram em uma varanda, que foi apelidada na hora de “Gazebo Gagarin” para uma breve cerimônia para marcar a iminência do voo histórico.
Depois de Korolev falar, foi a vez de Gagarin. “Primeiro ouvi atentamente e avaliei Gagarin quando ele falou à elite da comunidade espacial reunida sobre a tarefa que lhe foi confiada. Ele não usou frases de efeito. Ele era simples, claro e encantador. ‘Sim, você fez a escolha certa’, pensei relembrando as conversas e o longo processo de seleção dos candidatos para o primeiro voo”.
Um dos projetistas do Vostok, que trabalhou com os cosmonautas no primeiro voo, lembrou que “Gagarin tinha a mais equilibrada combinação de charme, simplicidade, humildade, trabalho ético, capacidade de compreensão e uma ampla visão do mundo. O assistente de Korolev lembrou: “Quando a escolha foi feita, me peguei pensando que Yuri Alekseevich Gagarin, muito antes do projeto da Vostok, havia sido designado pelo destino como o primeiro cosmonauta.”
E isso é o quanto seu olhar concordava com a concepção de quem deveria ser o primeiro cosmonauta.
___________
Andrew Jenks é professor de história na California State University, em Long Beach. Jenks está concluindo uma biografia do primeiro cosmonauta Yuri Gagarin. O livro contém elementos de uma biografia convencional, contando a história do impressionante feito de Gagarin, bem como os desafios que ele enfrentou em sua vida pública e pessoal. Ele também analisa a celebridade de Gagarin na cultura soviética e pós-soviética.
Há exatamente 50 anos o cosmonauta Yuri Gagarin tornou-se o primeiro homem a cruzar o limite da atmosfera rumo ao espaço. Mas como um garoto do campo derrotou seus concorrentes mais preparados e fisicamente mais capazes a caminho da fama eterna?
De acordo com um trecho da biografia escrita pelo professor Andrew Jenks, foi uma mistura de humor, charme, astúcia, boa aparência e um sobrenome com sonoridade russa que o colocou no topo da lista. Embora não estivessem entre os requisitos básicos para um voo espacial, foram estas características que serviram tão bem para transformá-lo instantaneamente em uma celebridade internacional.
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Alguns colegas em coquetéis ou no saguão de hotéis frequentemente me perguntavam após minhas palestras por que Yuri Gagarin foi o escolhido para ser o primeiro cosmonauta em 12 de abril de 1961. Este post, tirado de um rascunho do meu livro sobre Gagarin, descreve as circunstâncias que levaram à escolha de Gagarin como o primeiro viajante espacial do mundo.
Guerreiros em viajantes espaciais
A decisão de enviar um homem ao espaço exigia uma série de questões, incluindo o tipo de pessoa adequada ao trabalho. Sergei Korolev, o pioneiro dos foguetes soviéticos conhecido como “Construtor Chefe” até sua morte em 1966, havia afirmado que o primeiro cosmonauta deveria ser um engenheiro – talvez ele próprio – embora logo tenha desistido da ideia.
O debate foi rapidamente decidido em favor de um piloto de caça, ainda que a cápsula espaçial fosse totalmente automatizada e precisasse de pouca “pilotagem”.
A decisão tinha mais a ver com política e conceitos sobre heroísmo que qualquer outro fator. Supunha-se que os pilotos de caça teriam a coragem para enfrentar a potencialmente assustadora experiência da ausência de gravidade e seguiriam as ordens, não importando o quão perigosa fosse a missão.
Além disso, se algo glorioso fosse feito no ar – e o cosmonauta sobrevivesse – então pareceu óbvio que deveria ser um piloto de caça, o mais heróico dos heróis do panteão soviético após a Segunda Guerra Mundial.
No verão de 1959 os peritos da aviação e médicos começaram a procurar os candidatos nos comandos militares, incluindo o posto de Gagarin, próximo à fronteira com a Noruega, onde ele estava servindo desde que terminara a academia de oficiais em Orenburg. Na lista de possíveis candidatos de sua base, o nome de Gagarin estava no topo.
De acordo com um participante, “o programa de seleção considerou a saúde geral, preparo físico, aptidão profissional, características morais e éticas, particularidades fisiológicas e adequação aos parâmetros físicos: altura entre 1,72 e 1,74 metros e peso entre 70 e 75 kg”.
Curiosamente, Gagarin não atendia aos requisitos físicos: ele tinha apenas 1,57 m de altura. Não se sabe como ele conseguiu convencer os encarregados a ignorar este detalhe. Mais uma vez Gagarin conseguiu criar suas próprias regras.
Depois de uma bateria de testes físicos e fisiológicos, 347 pilotos foram aprovados entre 3461 candidatos. Os exames médicos seguintes – que desclassificaram vários por alcoolismo – reduziram o número para 206 candidatos e depois para 20. Os 20 últimos “candidatos a cosmonauta”, como eram conhecidos, começaram a treinar em um novo centro de treinamento em janeiro de 1960.
Os candidatos estavam prontos e ansiosos para treinar, contudo, não se sabia para o que iriam treinar. A pessoa encarregada de desenvolver a rotina diária admitiu anos depois que não fazia ideia do que estava fazendo. “Não havia um programa, não havia simuladores, nada”. O que eles tinham era uma caserna de dois andares feita de madeira com uma cozinha e um refeitório e 20 pilotos de caças ansiosos por uma tarefa heróica – e também para uma festa, caso houvesse a oportunidade.
Disciplina e vigilância, logo, pareciam ser um bom ponto de partida. Em fevereiro de 1960 o general Nikolai Petrovich Kamanin foi indicado como chefe geral da seleção e treinamento dos cosmonautas; e em novembro de 1960 ele tornou-se o chefe da exploração espacial das forças armadas. Kamanin não era um general qualquer, mas um general da KGB com um bom histórico tanto na aviação militar quanto no serviço de inteligência.
Graça e Humor Sob Pressão
Em primeiro lugar na cabeça dos treinandos estava uma qualidade melhor formulada por Ernest Hemingway: “graça sob pressão”. Hemingway parece uma estranha inspiração para os soviéticos, mas o escritor americano, cuja obra foi considerada suficientemente soviética e por isso traduzida para o russo durante a reforma cultural de Khruschev, era bastante popular, especialmente no centro de treinamento dos cosmonautas. Foi durante o treinamento cosmonauta, por exemplo, que Gagarin adquiriu o hábito de ler sobre Hemingway, cujas personagens “machos” complementaram as concepções de masculinidade ruassa que Gagarin recebeu de várias fontes soviéticas.
Um historiador, comentando sobre o culto a Hemingway na União Soviética e as razões de seu apelo, comentou: “ele viveu como quis: caçou, pescou, desbravou o mar, matou touros, apreciou bons pratos e bons vinhos, amou várias mulheres e foi amado por elas. Hemingway era um romântico, mas não deslumbrado; experiente, mas não cínico; viril, mas não cru”.
Aleksei Leonov, um dos vinte finalistas, lembra de quando conheceu Gagarin, no outono de 1959, quando os dois candidatos aguardavam a próxima bateria de exames. Gagarin estava aguardando em um sofá lendo “O Velho e o Mar” enquanto preparava-se para ser tocado e estimulado pelos caras de jaleco branco. Era a síntese da graça sob pressão. Leonov disse: “pensei comigo então: ‘que cara interessante. Preciso conversar com ele’”.
Os intangíveis
Durante o treinamento, Gagarin havia mostrado que era mais flexível e adaptável ao comando . Ele sabia como se adaptar. Tinha a capacidade camaleônica de se adaptar mental e fisicamente a cada tipo de situação – e mantinha linhas de comunicação com estruturas paralelas. Ele era rápido na absorção, capaz de improvisar respostas adequadas e atender às expectativas das pessoas.
Ele não demonstrava medo – como os toureiros de Hemingway – e era sempre otimista – como seu herói do romance realista de Boris Polevou, “Um Homem de Verdade”. E talvez o mais importante: Gagarin tinha um senso de humor bem desenvolvido.
Tal como os seus treinandos, Korolev adorava boas piadas e respostas espirituosas, como fazia Kamanin, que anotou em seu diário “Yuri Gagarin é indiferente a xadrez e cartas, mas é apaixonado por esportes e aprecia uma piada espirituosa ou uma brincadeira”. Além disso, ele podia parecer encantador sem parecer manipulador ou bajulado – embora tenha o sido em algumas ocasiões.
O engenheiro e cosmonauta Konstantin Feoktistov lembre de dar uma palestra aos cosmonautas sobre a engenharia da cápsula espacial. Ele sugeriu que em um mundo ideal os cosmonautas teriam graduação em engenharia, assim eles dominariam a tecnologia de sua embarcação e seriam mais que meros passageiros.
Depois da palestra, Gagarin o procurou e perguntou onde seria o melhor lugar para conseguir a graduação. Mais tarde ele compreendeu a natureza calculista da pergunta de Gagarin. Percebeu que havia sido conquistado pela intencional sinceridade ingênua de Gagarin. Na época, porém, ficou profundamente impressionado por este ambicioso rapaz.
Após analisar os resultados do treinamento, o general Kamanin da KGB reduziu a lista de 20 candidados a somente seis em janeiro de 1961. Gagarin, Titov, Neliubov, Nikolaev, Bykovskii e Popovich – todos etnicamente russos, exceto Popovich, um ucraniano.
Cada um dos seis finalistas deu a si mesmo um codinome na etapa final do treinamento – a contagem regressiva para o cosmos seria dali a três meses.
Gagarin adotou o codinome “Cedro”. Titov, “Águia”. Nikolaev, “Gavião”. Popovich tornou-se o “Águia Dourada”. Mesmo aqui Gagarin conseguiu se destacar: ele foi o único cosmonauta entre os finalistas cujo codinome não era umaave de rapina, mas uma poderosa árvore das florestas da Sibéria (e assim não foi chutado para fora do ninho).
Enquanto isso, Kamanin observava os “intangíveis” à medida em que a seleção se aproximava do fim. Ele afirmou em 18 de janeiro de 1961 que o candidato a cosmonauta Popovich era “muito leniente com sua esposa durante uma argumentação”. Ser boca-mole era aparentemente uma desclaassificação. Em 20 de março de 1961 ele anotou em seu diário que Titov decidiu ficar em casa e ler poesias em vez de ir com seus colegas ao cinema – o que pareceu falta de espírito de equipe, além de uma característica excessivamente contemplativa.
Em 6 de abril de 1961, passou o dia observando Gagarin – o tipo de coisa que fez Gagarin sentir-se confortável, ao contrário da maioria das pessoas. “… em sua conduta eu não notei uma única coisa que não fosse apropriada para a circunstância. Calmo, confiante e com sólido conhecimento – é como eu resumiria Gagarin naquele dia”.
Se os traços de caráter de Gagarin fizeram dele o primeiro cosmonauta ideal, eles também descreveram o que era necessário para um jovem prosperar no sistema soviético durante a era Khrushchev. Como em qualquer seleção de emprego em que haja muitos candidatos qualificados, o candidato que parecer menos ofensivo, ainda que não tenha muito talento, terá uma grande vantagem. E essa pessoa foi Gagarin.
Um cosmonauta conhecido comentou: “não conheço uma única pessoa que seja tão querida por tantas pessoas diferentes”. Um dos treinandos notou que Gagarin não fez perguntas estúpidas. “Há perguntas ‘estúpidas’, quando uma pessoa não compreende e pede para você repetir, e há perguntas inteligentes, quando uma pessoa está tentando se aprofundar no que foi dito. Suas perguntas estavam sempre na categoria das perguntas inteligentes”.
O primeiro orientador do treinamento dos cosmonautas, que se reportou a Kamanin, resumiu os motivos para a escolha de Gagarin, citando acima de tudo seu “patriotismo deisnteressado”, e sua absoluta crença no sucesso da missão. Além disso, Gagarin teve aprovação dos médicos e psicólogos, enquanto outros elogiaram seu otimismo ilimitado, curiosidade, astúcia, coragem e determinação, clareza e paciência, simplicidade e humildade… e um amplo calor humano e atenção aos outros.” No fim, a decisão foi tomada mais pela possibilidade de “representar a pátria honradamente” que por sua habilidade como piloto – que mal seria necessária na cápsula automatizada.
A escolha de Gagarin, contudo, não foi fácil para Korolev e Kamanin. Como Kamanin revelou em seu diário póstumo, ele sofreu para decidir entre Gagarin e Titov – os dois candidatos finais. Ele anotou que em alguns aspectos Titov tinha uma personalidade mais forte, e teve uma educação melhor. Mas não estavam procurando candidatos para dar aulas.
Kamanin também tinha que considerar a possibilidade de que sua escolha se tornasse uma sentença de morte, já que quase todos acreditavam que o primeiro cosmonauta teria apenas 50% de chance de sobreviver. Chertok disse: “Se você considerar como referência os padrões atuais de confiabilidade no lançamento de veículos espaciais, verá que em abril de 1961 não havia base alguma para otimismo”. Será que talvez Kamanin tenha achado melhor salvar Titov para o segundo – e mais longo – voo, já que seria mais complicado?
Mas houve um aspecto mais importante para determinar qual candidato seria abençoado (ou amaldiçoado) com a glória eterna. Kamanin compreendia que o primeiro cosmonauta conquistaria instantânea “fama mundial e que seu nome seria preservado para sempre na história da humanidade”, enquanto poucos se lembrariam do nome do segundo cosmonauta. O primeiro cosmonauta, portanto, precisava demonstrar talento para ser um ícone nacional – algo com o que Kamanin era familiarizado, sendo o primeiro a receber o título de “Herói da União Soviética” em 1934.
Titov parecia a Kamanin um pouco ansioso demais para o papel, enquanto Gagarin parecia dominar a necessária postura humilde. Outro fator, a “russividade” de Gagarin, também teve seu papel. Aleksei Leonov, que se tornaria o primeiro homem a andar no espaço, teve uma premonição de que Gagarin seria o primeiro simplesmente por sua aparência, “um rosto russo honesto, o sorriso que nunca sai do rosto, os profundos olhos azuis, a bondade que parecia derramar do canto de seus olhos”.
Ao contrário de Titov, o nome de Gagarin era inegavelmente russo, enquanto o “germânico” Titov sugeria uma herança “alemã” (embora não fosse o caso). De acordo com uma lenda, quando Khrushchev soube que os candidatos finalistas eram Titov e Gagarin, o Secretário Geral teria dito: “Que tipo de russo tem esse nome alemão? De onde vocês tiraram esse cara?”
Korolev, por sua vez, também foi influenciado pelo carisma de Gagarin – admirando suas qualidades fotogênicas enquanto analisava as fotografias de Gagarin em várias situações. Considerando a repercusão do Sputnik e dos primeiros cães no espaço, ficou claro para ele que o primeiro cosmonauta se tornaria o maior símbolo soviético e russo. Finalmente até mesmo os cosmonautas concordaram que Gagarin seria o escolhido, como observou Kamanin enquanto os entrevistava anonimamente.
Então em 10 de abril, dois dias antes do voo, Kamanin e Korolev tomaram a decisão final. Kamanin contou a Titov depois de um jogo de badminton, uma partida de duplas em que ele e Gagarin enfrentaram Titov e Neliubov. Gagarin e Kamanin derrotaram Titov e Neliubov por 16 a 5. Depois da humilação da derrota na quadra, Kamanin informou Titov que ele também havia sido derrotado por Gagarin na corrida para ser o primeiro no espaço. Enquanto Gagarin sorria, Titov “ficou um pouco decepcionado”.
Se a fama instantânea de Gagarin e o status de ídolo confirmaram a precisão de sua escolha, até mesmo antes do voo todos pareciam concordar com a sábia decisão. Durante uma reunião entre engenheiros, administradores e os seis cosmonautas finalistas em 10 de abril, Chertok lembrou sua impressão sobre Gagarin, o escolhido. Eles se reuniram em uma varanda, que foi apelidada na hora de “Gazebo Gagarin” para uma breve cerimônia para marcar a iminência do voo histórico.
Depois de Korolev falar, foi a vez de Gagarin. “Primeiro ouvi atentamente e avaliei Gagarin quando ele falou à elite da comunidade espacial reunida sobre a tarefa que lhe foi confiada. Ele não usou frases de efeito. Ele era simples, claro e encantador. ‘Sim, você fez a escolha certa’, pensei relembrando as conversas e o longo processo de seleção dos candidatos para o primeiro voo”.
Um dos projetistas do Vostok, que trabalhou com os cosmonautas no primeiro voo, lembrou que “Gagarin tinha a mais equilibrada combinação de charme, simplicidade, humildade, trabalho ético, capacidade de compreensão e uma ampla visão do mundo. O assistente de Korolev lembrou: “Quando a escolha foi feita, me peguei pensando que Yuri Alekseevich Gagarin, muito antes do projeto da Vostok, havia sido designado pelo destino como o primeiro cosmonauta.”
E isso é o quanto seu olhar concordava com a concepção de quem deveria ser o primeiro cosmonauta.
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Andrew Jenks é professor de história na California State University, em Long Beach. Jenks está concluindo uma biografia do primeiro cosmonauta Yuri Gagarin. O livro contém elementos de uma biografia convencional, contando a história do impressionante feito de Gagarin, bem como os desafios que ele enfrentou em sua vida pública e pessoal. Ele também analisa a celebridade de Gagarin na cultura soviética e pós-soviética.